O Projeto

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Sabemos que a visão das crianças e adolescentes a respeito da ciência e do conhecimento científico é muito influenciada pela literatura e pela mídia em geral, especialmente pelo cinema. Cientistas malucos, experiências fantásticas e teorias mirabolantes frequentam os enredos de romances, filmes e histórias em quadrinhos. Frequentemente, tais descrições dos cientistas e seus fazeres terminam por contribuir para uma visão da ciência como uma atividade excessivamente complexa, muitas vezes ameaçadora e a respeito da qual não nos caberia, como cidadãos, opinar, já que seria tão complexa que escaparia mesmo a nossa compreensão. Nesta visão, a ciência – e suas consequências – seria assunto de cientistas e ao cidadão só restaria esperar por seus resultados, bons ou ruins.
Por outro lado, o cinema, a literatura e os quadrinhos trazem “textos” que, se bem utilizadas pelos professores, podem vir a ser um valioso instrumento de ensino, favorecendo tanto a disseminação de conceitos científicos como de uma visão mais realista – e engajada – sobre a ciência. Por que não ler estes textos literários, cinematográficos e imagéticos em sua riqueza e complexidade, aprendendo com eles, preservando o que eles têm de poético, violento, apaixonante, imaginativo?
Mas alguns poderiam estar se perguntando o que a arte tem a ver com as ciências.  Questão semelhante foi colocada pelo físico e escritor inglês Charles Snow, em 1959, numa conferência que foi publicada na forma de um livro, “As Duas Culturas”[1], onde ele afirma, com certo desalento, que haveria  duas culturas, a cultura literária e a cultura científica. Entre elas, dizia, Snow, há uma barreira insuperável, porque  em algum momento da história da humanidade essas ciência e arte teriam se separado inexoravelmente.
Nós, do Biologia Animada, temos uma resposta otimista à angústia de Snow e perguntaríamos, junto com o biólogo e escritor moçambicano Mia Couto: como separar arte e ciência? Como separar duas coisas tão fundamentais para a humanidade? Mia Couto escreve, com toda a beleza de sua prosa que, quando as pessoas lhe perguntam como consegue conciliar literatura e biologia, ele responde:
“...ciência e arte são como margens de um mesmo rio. A Biologia não é diurna nem noturna se não se assumir como autora de uma espantosa narração que é o relato da Evolução da Vida. Podem ter certeza que essa história é tão extraordinária que só pode ser escrita juntando o rigor da ciência ao fulgor da arte”.[2]
O projeto Biologia Animada nasceu de nossa paixão pelos livros, filmes, quadrinhos e de nosso incondicional amor pela biologia. Queremos, com ele, trazer para a mesma roda de conversa esses mundos que muitos consideram separados, mas que, para nós, são parte da mesma coisa: arte e ciência. E queremos, com ele, trazer muitos estudantes que ainda vêm estas duas atividades como separadas para um passeio prazeroso pelas linguagens da ciência e da arte. Um passeio que, esperamos, contribua também para a formação de cidadãos mais engajados na reflexão sobre as ciências, desejosos de opinar, reivindicar, criticar a atividade científica, de dentro ou de fora dela.

Maria Luiza Gastal




[1] SNOW, C. P. As duas culturas e uma segunda leitura, São Paulo: Edusp, 1995.

[2] COUTO, M. Rios, cobras e camisas de dormir. In: Se Obama fosse Africano.  São Paulo, Companhia das Letras, 2011.